Letramento Acadêmico
É de conhecimento público, que ao ingressarem no ensino superior, os alunos são solicitados a escreverem diferentes gêneros (resumos, fichamentos, resenhas, artigos etc.), com os quais não estão familiarizados em suas práticas de escrita em outros contextos e na maioria das vezes são mal avaliados por seus professores pela falta de domínio que possuem acerca desses gêneros textuais.
Também não é novidade que muitas questões diferenciam o contexto do ensino superior de outros contextos de ensino e que as práticas de leitura e escrita encontradas no ambiente acadêmico diferem das práticas anteriores à entrada na universidade. Isso significa que, mesmo dominando a escrita em seu sistema alfabético, os alunos vão encontrar-se com situações em que terão dificuldades de compreender ou de produzir um texto porque as práticas de uso da escrita são consideradas práticas situadas (KLEIMAN, 2005), porque as situações de comunicação demandam formas diferentes de lidar com os diferentes gêneros textuais. Dessa forma, ter as habilidades desenvolvidas para essas atividades não o habilita, per se, a transitar por outras esferas, como a acadêmica, na qual circulam outros gêneros e outras linguagens sociais (GEE, 2001).
Isso se confirmou no ICED em 2016, quando uma nova pesquisa se juntou as de Bertolo e Alves: a pesquisa coordenada por Pena (2016) sobre Práticas de letramento acadêmico no curso de Pedagogia da UFPA, cujo objeto principal foi compreender, em contexto específico, as práticas de letramento acadêmico dos estudantes do curso de Pedagogia, da Universidade Federal do Pará, e as diversas interações que estes estabelecem com os diferentes gêneros textuais e seus mediadores.
Tal pesquisa demonstra uma maior preocupação em relação à leitura e à escrita dos alunos que ingressam na universidade. Dessa forma, a adjetivação acadêmico para o termo letramento se justifica, pois “há usos específicos da escrita no contexto acadêmico, usos que diferem de outros contextos, inclusive de outros contextos de ensino” (FIAD, 2011, p. 362), ou seja, essa adjetivação se refere especificamente à prática social de leitura e escrita que acontece na universidade.
Fizeram parte da referida pesquisa sobre Letramento acadêmico duzentos e treze alunos do curso de Pedagogia, distribuídos entre os turnos da manhã e da noite. Todas as turmas dos oito períodos tiveram participantes na pesquisa.
Seguem alguns dos resultados dessa pesquisa: dos 213 informantes cento e vinte e oito pessoas (60,09%) moram em Belém; em Ananindeua trinta e oito pessoas (17,84%) e treze pessoas (6,10%) residem em Marituba . A maioria expressiva se constituía de mulheres (82, 62%); o perfil etário variava de dezesseis a quarenta e um anos, sendo a idade predominante a que varia entre 20 a 25 anos; (60,09%), de cor parda (56,33%), em sua maioria advindos de estabelecimentos de ensino médio vinculados à rede pública (81,69%) e no turno diurno (62, 91%). O núcleo familiar desses estudantes sobrevive com até três salários mínimos: 161 pessoas (75,59%); são estudantes que, em sua grande maioria, deslocam-se para a Universidade em transportes coletivos 193 pessoas (90,61%).
As respostas indicavam que no ensino superior 87% liam artigos científicos, seguidos por 78, 5% de livros vinculados às disciplinas e 39,1% capítulos de teses e dissertação. As dificuldades de leitura e de escrita apontadas pelos alunos eram de diferentes ordens: a falta de tempo para as leituras; dificuldade de compreender e interpretar os textos disponibilizados pelos professores; falta de familiaridade com a linguagem científica; dificuldade na organização das ideias, palavras técnicas e alguns conectivos. Segundo eles, essas dificuldades os acompanhavam por todos os semestres durante o curso, culminando no trabalho de conclusão de curso que quase sempre era acompanhado de uma solicitação de prorrogação.
Nessas dificuldades apresentadas pelos alunos sobre a escrita acadêmica, talvez a mudança mais significativa tenha sido “a consciência de que os textos que devem ser escritos na universidade diferem dos textos que eram escritos no ensino básico” (FISCHER, 2007). Na educação básica, os alunos escreviam para dar conta da redação para o vestibular, em um roteiro do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que solicita como tipologia textual um texto dissertativo-argumentativo. Se os gêneros que circulam na academia diferem dos acima citados pelos alunos, isso evidencia que, ao ingressar na universidade, o aluno necessariamente precisa engajar-se em uma prática de escrita e leitura até então não familiar para ele.
É preciso considerar, portanto, a importância das experiências de leitura dos estudantes, as dificuldades apresentadas como um fator determinante do aprendizado e da apropriação das regras e disposições próprias dos gêneros acadêmicos, sustentando a proposta na teoria de gêneros do discurso formulada por Bakhtin, considerando que a escrita na universidade é algo bastante especializado, e isso muda de uma disciplina para outra. Em outras palavras: para que o aluno escreva resumos, resenhas, artigos precisa necessariamente inserir-se em práticas de leitura e escrita de textos desse gênero, aprender sobre esses gêneros, conhecer suas características, aquilo que é específico de cada um deles. Dentro nesse novo domínio social que é a universidade, os alunos necessitam aprender a usar vocabulários especializados, compreender esses vocabulários, usá-los em seus textos orais e escritos.
O conhecimento básico de letramento acadêmico é fundamental não só para os alunos interagirem adequadamente com os gêneros textuais de circulação no ensino superior, como também para se iniciarem num estudo mais formal deste conteúdo, tendo autonomia para circular por outros diferentes gêneros textuais. É importante que esse conhecimento básico - que compreende mobilizar uma série de estratégias tanto de ordem linguística como de ordem cognitivo-discursiva, com o fim de levantar hipóteses, validar ou não as hipóteses formuladas, preencher as lacunas que o texto apresenta – seja apresentado a partir de atividades experimentais de práticas de leitura e de escrita, que possibilitem aos alunos participarem, de forma ativa, da construção de sentidos dos textos.
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